domingo, 30 de outubro de 2011

Tão certo

Era uma petúnia e estava cansada. Era uma rosa e não tinha volumes. Era um cravo e jazia desboto. Era uma orquídea e permanecia virgem. Era uma tulipa e se mantinha aberta. Era uma Hortência e tampouco se alegrava. Era uma margarida e se sentia apática. Era um crisântemo e ficou feliz. Era um jasmim e não tinha leite. Era um girassol e não movia brilho. Era uma flor e, certamente, não viveu as mais lindas efemeridades. Tão certo quanto os espinhos andaram por lhe ferir.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Se eu...

Tem horas, que é melhor escrever com a letra dos outros pra dizer o que a gente tá sentindo...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

[Amor em tempo de redes sociais] O início


-Ei, você deixou cair isso!

Ela se vira majestosamente...

- O quê?
- Um pedaço de beleza aqui, ó...

Ela sorri pequeno! Tinha medo dessas cantadas bregas, mas fazer o quê, se ao menos eram engraçadinhas.

- Me desculpe! Foi mal, foi mal... Esse pedaço de beleza não pode ser seu. De jeito nenhum! É só olhar pra ti, lindeza, que a gente vê que a sua beleza tá mais que completa.

E ela não pôde conter. E um brilho pintoso rasgou a cena. Era um super sorriso que se abria na boca fina.

- Cantada barata viu!
- Barata, mas lhe arrancou felicidade e me deu a belezura do teu sorriso. Vai ser linda assim lá no papel de parede do meu Mac, juntinho de mim, na prainha!

E ele era desconcertante.

- Rapaz, eu tenho que ir. Você pára as moças assim, aleatoriamente, pra falar de beleza e sorrisos, é?
- Que nada moça bonita! Foi tu que lascou esse jeito de andar no meio das minhas fuças. Ai, dei de me encantar. Sabe...

Silêncio. Ela que já ia virando-se para partir, sentiu um algo que lhe puxou a ficar. Perguntou.

- O quê?
- Gosto de números. Quando eu era pequeno, decorava número de tudo. Nem sei se ainda consigo. Você podia me ajudar...
- Hum, até já sei. Mas desculpa, não costumo dar meu número pra qualquer pessoa.
- E eu sou qualquer pessoa? Avistei tu de longe, e quis até te ajudar, catando do chão o pedaço de beleza, que por sinal, nem era seu...

Mais um sorriso arrancado.

- Podia ao menos conversar comigo. Posso te acompanhar?
- Acho melhor não. Não te conheço...
- Muito prazer, me chamo Pedro Andrade Feitosa Leite. Meu CPF é 123 477 777...
- Tá bom, vai...
- Então, como ia dizendo...
- Mas vou avisando logo, a rua é pública e você pode ir andando ai, só não tente nada viu?
- “A noite ascendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão”.
- Oi?
- Nada não!
- Foi bonito o que você disse.
- Mas não foi eu quem disse. Foi o Quintana. Mário.
- Hummm
- Estamos conversando há três minutos, eu já posso saber o seu nome.
- Cuidado!

E ela puxou ele duma vez.

- Tu é abestado é? Atravessa a rua sem prestar atenção!
- Mas eu tava com você. Você salvou minha vida. Sou-lhe grato. Agora eu preciso te agradecer, e, pra isso, preciso saber o seu nome.

Ela, calada, sentiu um vento frio, da noite que já sorria por entre nuvens amareladas.

- “Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem...”

Ele continuou, o que a deixou surpresa...

-“Seu nome não está nos livros”.
- “É feia, mas é realmente uma flor...”
- Ah, com isso eu não posso concordar! Mas como assim, seu nome é Flor? Sua mãe era hippie?
- Era. Já vi que você gosta do Drummond. É, você não é de todo mau.
- Você pode descobrir mais de mim. Te dou meu facebook.
- Quem disse que eu quero?
- Pois me dá seu telefone, que eu não te dou meu facebook.
- Não vou dar o número do meu telefone para um louco que acabei de conhecer, e que é tão lesado, que quase ia sendo atropelado!
- Por quê?
- Eu preciso responder?
- Claro!
- Porque celular é uma coisa muito pessoal. Você pode falar comigo instantaneamente, me encontrar onde eu estiver, é muito impessoal para se dar para estranhos...
- Tá, então vamos por partes. Você me disse seu nome. Não devem ter muitas Flores no face. Vou te achar. Você usa muito ele?
- Uso. Tô meio viciada...
- Você é bloqueada?
- Como assim? Ah... Não! Isso é besteira.
- Pois tá parecendo...
- Hã?!

E aqueles olhos pretos dela se encheram de uma fúria vermelha e rosa.

- Qual teu sobrenome?
- de Sá.
- Humm. Agora é fácil. Flor de Sá! Tudo bem, tu não me deu teu telefone, mas eu posso descobrir o que você faz, onde você trabalha, onde estudou, quem são seus amigos, que lugares você freqüenta... Até seu endereço, se você for chegada num chek-in! Mesmo assim, tu não vai me dar teu número?
- Claro que não. Celular é demais!
- Tá certo. Vou desvendar seus gostos, ver sua idade, ver que cantores você escuta. Vou saber da sua rotina! Vou interagir contigo. Mas queria você analógica.
- Ave! Analógica. Mas tu perturba viu?!
- Ainda mais linda enfezada! Eita, que a raiva é mais divina que a calmaria.
- Cara, desiste! Tô indo aqui pegar meu ônibus...

E ela saiu andando. As costas queimavam, e a vontade de virar e olhar o porquê de ele ter parado de segui-la foi maior. Ele gritou:

- Eu só preciso de oito números, que vão me garantir a felicidade o resto do dia. Plisi, dont go! Faça alguém feliz. Me faça feliz.
- Ai como é brega...
- O que seria do mundo sem os excessos de breguice?

E dessa vez, foi ele quem sorriu. Amplo, calmo, encanto. Ela estremeceu. No fundo de sua alma, alguém sussurrou: “lerda!”. Ela, então, tirou da bolsa, papel e caneta. E quando olhou pra frente, viu felicidade materializada naquele olhar de menino abobalhado.

- Taqui ó. Agora, por favor, sem excessos.
- Fica parada!
- Pra quê? Vai me assaltar?
- Não, só vou te roubar coisas mais pra frente. Agora só quero guardar na mente a tua beleza completa. Sua linda!

E saiu correndo pela rua, balançado por sorrisos múltiplos. Ela ficou ali, besta e até perdeu o ônibus.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Hey dicho
















En la orilla de mi cama
nadie nunca puede andar
para veer de fato lo que existe
dentro, dentro, más allá

Como en las orillas del rio manso
desde lejos han de caminar
porque corazón es fondo
lecho es llano, vago de dar.

pero la pose de él, que es mío
es difícil de entregar
fácil, fácil error parece
Para cualquier uno se engañar.

En mi cabecera sólo yo
puedo de todo entrañar
hacer fiestas en mi sueños
pensando que tu luego vendrás.

Las mujeres no pueden darse
como quieren, quieren dar
yo, burlona que logo soy
hago mi lecho, pero no más.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Invariável mente...


Invariavelmente, estou buscando. Pedrinhas, doçuras, extremos. Me exultam infinitos. Me ilustram cores quentes, sons amenos. Me balanço de orixás. Me banho de ilusões diárias, perdidas. Descrevo finduras soltas, sambantes de mim. Distante, etérea, vagosa. Me sufoco assim em pronomes de primeira pessoa. Egoísmo exorcizante. Psicografo subjetividades que não são minhas. Releio, e é como se já as tivesse em decoro. Visto meus dedos de calos e dores de alma. E descanso de mim. Fatiga que destrói meu tédio. Repetições. Vou vivendo...

sábado, 15 de outubro de 2011

Origens do flutu-ando...


Tem desses inconscientes empoeiradas que só modelam de coisas bobas mais relevantes do presente? Tinha disso nas crenças da moça. Ela sorriu e lembrou do causo. Pois que num dia desses de desânimo total resolveu desligar a playlist que ressoava Baden Powell e varou a noite de rua em rua.

Diriam que era louca, por sair em subúrbio tão coloquialmente aterrorizado e aterrorizante. Fazia já duas horas que alguns relógios gritaram meia noite. Mas o ar era tão frio e penetrante que ela até esqueceu tempo, efemeridades.

Feito besta, andou e ouviu tambores na mente. Esticou os braços e a preguiça lhe deu uns tapinhas de leve. Teve vontade de assistir desenho animado. Teve vontade de abraçar um gatinho que passava. Teve vontade de escorregar naquela calçada, topar e cair levemente, como se flutuasse. Varou uma esquina correndo, escorregou e caiu. Deitou, confortavelmente, numa queda em folhas secas tão macias como braços. Suspirou profundo e as folhas eram penas que lhe acariciavam. Nunca se sentiu tão confortável em toda a sua vida como naquele instante.

Sem perceber, já estava de pé. Em outra rua, ainda buscava a noite. Pé-ante-pé, ilustrava o escuro com seus sorrisos. Era alegria de vida que explodia dela. Deu por si e já estava correndo embaixo de árvores que lhe davam sombra na noite escura. Correu e caiu uma queda sem dor. Caiu e sentiu o aconchego do tufo de folhas que a embalava no colo. Do fundo dos olhos fechados, o escuro era mais escuro. O corpo ia e vinha sem sair do lugar. Lembrou de alguma coisa que não tinha a mínima importância e dormiu aquele sono acordado. Caia, caia, caia. E quanto mais caia, menos sentia-se.

Era impossível saber onde começou ou acabou. Mas o despertar, que ninguém sabe de onde vem, abriu seus olhos e ela nunca soube o que tinha sonhado naquela noite. Até que outra noite veio e essas mesmas quedas a repousaram. Sonhos-repetição. Lembrados e esquecidos. Antes que a vida os apagasse, ela resolveu escrevê-los. Freud não explicaria.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Déjavu


E é muito bizarro porque é de uma vez. Você vive por segundos o que a sua mente reconhece como já vivido. E pensa que já foi vivido mesmo. E pensa que não foi vivido nada. A situação é tonta. Sua cabeça roda, e você analisa a repetição. Mas a memória não te dá momento/lugar/tempo em que se foi vivido aquilo. É mais sensação que lembrança. É mais lembrança que experiência. É como marca que nunca foi deixada. É tão latente e confunde tanto por não explicar, que a vida para ali e as respostas não vêm. É como se em algum lugar da infância você tivesse sonhado com aquilo e agora vivencia. E é situação-besteira, banal, mas impressiona posto que não se entende. É e não é. É como que aquela linha, que você não sabia que existia, tivesse quebrado em pedaços de tempo, rapidamente reconstituídos por um olhar de atenção. Vez ou outra, sinto dessas coisas.

Ouvi dizer que estão presentes em várias vidas. Rasgando monotonias. São cérebros tacando facas no tédio pra não deixar a loucura chegar. Ou seria uma lambida na esquizofrenia? Testes esquecidos e não legitimados de previsões de futuros baratos que a gente não releva. É essa mania de não darmos a estima que o nada merece. Pra não cair nessas coisas de amar importâncias, vou ali ler o livro das ignorâncias, de São Manoel de Barros.