sábado, 29 de setembro de 2012

[Amor em tempos de redes sociais] Capítulo 7 – A agonia


Carnaval de Arlequin - Jean Miró

Vou jogar Mário Bros até de madrugada pra ver se enxugo essas lágrimas, ou mesmo, resseco elas com o brilho medonho desse colorido virtual, pensou. O filme que ele indicara numa conversa tacanha, de uma rotina normal, amorzinho, paixão, a fez chorar, compulsiva, latente, tempestade. E vieram cem, sete lembranças. E ela pensou que jamais ia esquecer. E pensou em fugir, mas não tinha pra onde. Poderia afundar-se numa linha de tempo e publicar imagens chorosas de cores frias. Poderia postar pontuações que simbolizavam tristeza. Poderia piar citações viscerais e gritar, silenciosamente daquela tela, uma depressão que nem precisava ter.

Ele fora dormir. Avisara por sms. E ela ficou ali, pensando. Pensou que pensar era a coisa mais terrível do mundo para os relacionamentos. Quando tudo era perfeito, caia-se a vontade de que o drama deveria imperar, vingar, destruir. E, com isso, o então viria. Cheio de novos, pormenores. Contudo, haviam as lembranças tristes que a faziam pintar as unhas de negro ou de pálido. Ou de negro e pálido. Refrescou-se num suspiro e recordou alegria. Sabia que poderia estar com outro, mas o querer dela era tão dele que até subjulgara-se, por vezes. Lembrou de quando podia controlar-se. Fechar uma janelinha apenas e dormir tranquila. Agora não. Condenou-se. Podia fechar janelinha, mas a angústia se ia pra cama com ela, apertando gogó, cantando Bethânia, chorosa.

E ela, que fora forte, que perdoara, que sentiu frieza, racionalidades, enquanto comia batata-frita em motel de quinta, e nem sequer derretera-se em água e sal, desabou. Quando o choro é tempestade, nem mesmo pular em cogumelos de pixels o contém. Nem podia ligar para ele, abalar segurança. Nem podia dizer para ele que perdoar doía. Ela estava ali, tentando ser feliz, mas a memória era má.

Tinha um coração e um teclado. Tinha uma tela que se abria para o mundo. Mas o mundo, aquele mundo de hipertextos, tinha muito dele. As buscas eram recheadas das suas palavras-chaves, quando distrações. Mesmo que um clique fizesse saltar uma nova janela, alguma substância nervosa dentro dela a fazia voltar e digitar o nome, já tão banal, e stalkear. Digitava e o rostinho quadrado surgia. Era tempo de um novo clique e já ia para a tela de representações dele. Uma tela cheia dela. Ele não gostava de expor muito. Tinha seus porquês. E isso a agoniava.

- Amor, o que você está fazendo?
- Filme.
- Hum.

Ele gostava de dizer hum.

- Você me ama?
- Claro. Como nunca antes pensei amar. E você?
- Também. Muito.

Ela não entendia porque a janelinha avisava que a mensagem havia sido visualizada a tal hora e logo em seguida não surgia a mensagem de que ele estivesse digitando. Por quê? O que ele estaria fazendo? Flor havia comprometido-se a confiar.

- Amor, posso te perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você me acha egoísta como falou no outro dia?
- Não, amor. Achei, por uma atitude sua, mas uma atitude não faz da pessoa uma pessoa egoísta. Você não é! Sei que se preocupa comigo.
- Que bom que percebe.

Flor estava cansando de não ter a voz dele ali, de só ver serenata pela webcam, mesmo morando em bairros vizinhos. Cansada de só ver eu te amo, escrito em diferentes tipografias, mandado em links que abriam imagens belas. Queria arder com ele. Queria um amor dito em sussurro. Queria um beijo que pudesse ventar lembranças. Pra bem longe. Tão longe quanto, nem sequer o mouse dela pudesse alcançar. Terminou de ver o filme. A mocinha perdoou o erro do mocinho. A trama acabou ai. A dela continuava no dia seguinte. Foi dormir e tentou sonhar.

sábado, 22 de setembro de 2012

[Mônica Velour] Quem procura...


Por algum motivo, Mônica Velour – atriz pornô dos anos 80 - permeia as lembranças eróticas de Tobe. Ele, um adolescente de 17 anos, parece estar deslocado de seu tempo. Gosta de filmes e músicas da primeira metade do século passado. O classificam de “nerd”. Fotografia e trilha sonora evidenciam o gosto musical de passado do rapaz. Esse é o contexto de Meet Mônica Velour, de Keith Bearden.

Tobe vive com o avô. Um conflito bigeracional é facilmente percebido. O avô lhe presenteia com o furgão, dotado de um jocoso cachorro quente gigante no teto.  Para o patriarca da pequena família, é a oportunidade de empreendedorismo para o jovem. Para o neto, uma grande piada. Tobe quer o presente padrão, um carro. Sinônimo de liberdade e poderio masculino.

Após o aniversário, ele resolve vender o presente. Contudo, o interessado na compra do furgão mora em outra cidade, distante dali. Mesmo local, no qual, por coincidência, estreará um show da grande estrela pornô, Velour. É a chance de Tobe conhecê-la. Parte para lá.

Apesar de o personagem central ser um homem, adolescente, na busca por sua identidade, podemos levantar reflexões sobre a personagem que dá nome à trama. No show, Tobe discute com um rapaz que chama Mônica de vovozinha. Gerofobia. As mulheres são encaradas pelo corpo, e, depois de uma certa idade, a estética da juventude cega os olhos da maioria para a sensualidade que ela ainda pode, sim, possuir.

Mônica é expulsa do show. Uma das dançarinas da casa fala da questão da defesa dos direitos que elas possuem. “Aquele garoto tava fazendo o que você devia tá fazendo”, dirige-se ao pequeno homem que expulsa Velour. “Só porque a gente trabalha nessa espelunca, não significa que temos que aguentar esses porcos. Temos direitos”, continua. “Eu vou te dar os seus direitos, sim. Um de direita, um de esquerda, se não sair da minha frente”, ameaça o homem. Violência contra a mulher.

“Por favor, por favor, eu tenho uma filha”, grita Mônica, ao ser expulsa. Julgamento moral. Bem claro nas cenas em que o ex-marido diz que ela perderá, definitivamente, a guarda da filha. “Striper ganha causa”, chacoteia o arrogante homem ao evidenciar que o júri não iria conceder a guarda da menina pela profissão.

“Poxa, vida! A gente transa com algumas centenas de homens e o mundo inteiro fica contra a gente”, desabafa Mônica. Porque ser atriz pornô é ruim? Como Tool diz, ela levou “animação” à várias pessoas.  Sexo é tão normal, que todxs fazemos/faremos – a menos que optemos por ser assexuadxs. E, mesmo assim, há toda uma carga negativa atribuída à sexualidade. E, principalmente, à/da mulher. Que, em muitos vídeos é objeto, fetiche, apenas. Pornografia é sinônimo de sujeira. Contudo, raros são os adultos, mulheres e homens, que nunca acessaram ou viram um filme pornô. E você?

O problema está na moralização do debate. E como essa moralização recai sobre as as profissionais femininas. “A realidade é que eu, e todas as outras mulheres do mundo, temos nossos próprios pensamentos”. A frase, que, mesmo óbvia, alerta para uma conceituação machista que, por vezes, se faz da mulher.

O envolvimento de uma mulher mais velha com um rapaz. A cena de amor de um virgem com a ex-atriz pornô. A experiência sexual, geralmente atribuída ao sexo masculino, está com a mulher. Três pontos que demonstram a inversão de papéis tradicionais. Mônica ensina Tobe. O homem não detém a técnica. A mulher não é amor. “E sabe de uma coisa? Você é como os outros”, Mônica acusa Tobe. Ela generaliza e solta. “Passa a vida inteira procurando por uma máquina de sexo selvagem e, quando encontra, tudo o que quer fazer, é transformá-la numa dona de casa”.

Meet Mônica Velour não é uma pérola do cinema norte-americano. Muito menos, uma bela indicação para quem gosta de filmes permeados de diálogos marcantes. Contudo, as tags que ele traz podem ser desenvolvidas. É uma boa pedida para um sábado banal.

:::Meet Mônica Velour
Gênero: Comédia, Drama e Romance
Duração: 98 min.
Ano: 2011


sábado, 8 de setembro de 2012

[O céu de Suely] Azul e abrangente como a liberdade




“Eu fiquei grávida num domingo de manhã. Tinha um cobertor azul de lã escura. Mateus me pegou pelo braço e disse que ia me fazer a pessoa mais feliz do mundo. Me deu um CD gravado, com todas as músicas que eu mais gostava. Ele disse que ia casar comigo. Ou então, morrer afogado”. Azul e abrangente, como o céu, é a voz terna de Hermila, personagem principal de O céu de Suely. Devagar, a menina corre na praia e abre o filme do diretor cearense Karim Aïnouz. As lembranças de amor seguem, regadas por Diana, com Tudo que eu tenho

De repente, as cenas lentas são cortadas pelo close no olhar. Tristeza que vê paisagens em movimento, embalada pelo choro da criança. Ela, Hermila, voltara com o filho Mateus, de São Paulo. Em Iguatu, interior do Ceará, sua cidade natal, enfrenta o calor e o choro do filho. O calor que assusta Mateus, também a irrita. “Tem vezes que tenho vontade de deixar ele no mato e sair correndo”, confessa á tia. O marido viria em um mês. Viria. Um mês se passa e ele não vem. A frustração do êxodo rural se enlaça com a dor do abandono. A felicidade que denotava reinicio, se torna tristeza. O homem, livre, simplesmente, desampara. Ela também quer fugir. Pra longe. Para o local mais longe que a rodoviária ofereça.


A decepção, a criança, os 21 anos de idade e as dúvidas dão à Hermila anseios. Precisa juntar dinheiro para sair dali, para onde for mais distante. Ela, sozinha, resolve rifar mais que as garrafas de whisk que já estava acostumada. Promete uma noite no Paraíso, com seu corpo por prêmio. Vinte reais cada ponto na rifa. É latente como a prostituição se faz vista pela cidade de interior, por um viés moral, tradicionalista, que criminaliza a mulher, sem entender contextos. Reconhecida pelas mechas loiras no cabelo curto, levanta a fúria daquela cultura machista. Ela, diferente, como quem perdeu algo por onde foi, vai até o fim.

O Céu de Suely não é de final feliz. Teve sua estreia na Itália, no Festival de Veneza 2006. Prata da terra, o cearense Aïnouz que também dirigiu Madame Satã e Abril Despedaçado, deu um belo filme ao cinema contemporâneo. Na trama, as mulheres são protagonistas. A avó, que sempre lutou para manter a casa, se sente desrespeitada com a atitude de Hermila. Matriarca, formada naquela mesma cultura machista, se vê olhada diferente pelos vizinhos, e expulsa Hermila.

A moça vai morar com a amiga da tia, mas depois volta para casa. Efeito bokeh, noites e movimentos de câmera trazem um tempo confuso, arrastado, como os pensamentos de Hermila. A noite com o ganhador da rifa chega. É um sexo de sofrimento, desajeitado. Chega também a hora de partir. A estrada, e mais uma vez o céu, azul e abrangente, compõe o cenário no qual o ônibus de Hermila parte, com toda a determinação. O fim nega a premissa que ela precisa estar com alguém para ser feliz. Ela não volta na garupa do namorado de infância que corre atrás do ônibus, como Hollywood exigiria. Ao ir para longe, mesmo banhada de incertezas, a “mocinha” se faz livre e segue suas próprias escolhas.


:::O céu de Suely
Gênero: drama
Duração: 90 min.
Ano: 2006

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 6 – Mais uma vez

Pintura: Ewelina Ladzinska

E um perdão tinha feita a vida eterna novamente. Eram momentos tão ternos, que quase acreditaram na premissa platônica da completude. Flor lembrava do começo sem pretensões, quando seu coração era casa assombrada, fechada, de interior escuro. Mas ele veio, e limpou as teias de aranha, as dores tacanhas, os brilhos mal luzidos. E fez cantar. Arranjou-se uma rotina feliz. Era felicidade que inundava linhas de tempo alheias, em fotos, palavras, argumentos. Perguntava-se, como em tão pouco tempo, tudo era tão intenso, exposto.  

Perdoara, antes mesmo que o coração pedisse que ela passasse, ali, às vistas de todas e todos, de um relacionamento sério para solteira. Quis evitar que curtissem sua dor. Reflexionou e ninguém soube, apenas os amigos e as amigas reais. Sem representações. Ou com elas. Sentia ainda a traição, sempre reiterada, dia ou outro, mas a importância naquilo era nenhuma. Estava feliz. E era tão feliz que podia continuar ali, sem mesmo desejar tristeza.

O trabalho a sufocava. Ele também. Nunca imaginou que aquele rapaz solto pudesse engolir rotinas, adaptar-se a ela, sentir-se metade sem a sua atenção. Mas estava inseguro, pedia, pedia, pedia. Por mensagens, ligações, voz abalada. E ele tinha o ciúme de um leão. Flor sempre acreditou que quem não deve não teme. Se ele teme, então é porque devia, refletiu. E devia, mais ainda. Estava certa.

Depois do amor - como sempre, ele a fazia plena – sentiu uma tristeza percorrer-lhe. Pegou de súbito o celular do rapaz, enquanto ele cantarolava no banho. Sentia aquela invasão, como se o estuprasse. Contudo, sentiu mais ainda, que era preciso. Violentou-se também por fazê-lo, pois prezava, imensamente, pela liberdade. Sabia que as imagens daquela maquininha que alcançava com leves toques só tinham acesso por senha. Mas foi. E fez de um jeito, que a segurança foi burlada, sua vida abalada, seu mundo ali se achatou.

Perdeu ar e perdeu terra. Embora em cama macia, flutuou. Raivosa, terna, racional. Pensou, que escroto. Sentiu vontade de esfaqueá-lo, cuspi-lo, quebrar aquele mesmo celular pelo qual ele falara com ela. Mas prostrou-se ali, e viu, mais uma vez, um rosto sem graça, em baixa resolução. Viu mais do que deveria para poupar seu sentimento. Gelada, sem vida, desacreditou no amor. No seu, no dele, no amor. Mais uma vez? Por quê? Foram três minutos que tiraram sua cor e trouxeram pensamentos simples. Era como se já estivesse preparada. Se já soubesse. Lembrou que sentira mais cedo, como da outra vez.

Ele cantava no banheiro. Ela gritou.

- Quem é Jana?
- Jana? Trabalha comigo. Porque?
- Deixa de mentir. Eu tenho muito nojo de você. Muito.

Ele espantou-se com a frieza com que ela falou aquilo.

- O que foi? Você viu alguma mensagem?
- Não dá mais. Não dá. Eu vi as fotos. E a legenda.
- Foi só uma vez.
- E ter sido uma vez torna as coisas melhores? Acabou. Não me procure mais. Nunca. Se veste. Vamos embora.

Ele calou-se e nem sequer tentou retrucar. Reparou que ela estava calma, sem sal nos olhos. Estranhou. Saíram dali. Conversaram na praça, como de costume. Ele disse que não a merecia. Ela concordou. Flor virou a esquina. Deveria ter sido um adeus. Deveria. Ele chorou, como quando o pai morreu. Os dois se encheram de porquês. Era para ter sido o fim. Era para ter sido.