domingo, 2 de janeiro de 2011

Preocupo-me


Preocupo-me com as aflições dos romances que leio para esquecer das minhas próprias. Talvez assim seja com as donas de casa e as novelas, os jovens e os filmes, as senhoras e as vidas alheias. Estranho, às vezes escutando Beatles, sinto saudades de um tempo que não vivi. In my life parece ter sido minha canção favorita uns trinta e poucos anos atrás. Só que eu nem sonhava em nascer. Nem sonhava. E por essas épocas, até minha mãe só se entretinha numa infância pobre. Minha vó só se perdia com boleros e ciúmes do meu avô que a traia como respirava. Ele bebia, bebia e bebia. E ainda bebe. Perdi as contas de sua idade. E ele perdeu-se nas contas das doses. E dos bonecos que botou. Minha mãe me disse – sempre dizia – que desejara nas suas mais puras meninices uma boneca da mesma altura que ela. Até quando alcançou os quinze anos de idade, remorsava não tê-la tido. Minha mãe nunca teve arroubos literários,

revolucionários. Diz ela que por aqui nem se sentiu a Ditadura. O máximo que abrasava por essas bandas eram as besteiras que a mídia fazia ecoar. Nos historiadores da minha terra descobri que minha mãe - como muitos dos jovens que não tiveram acesso a educação superior, coisa rara naqueles anos - , apenas passou. Não sentiu. Nem ditadura, nem vontades de mudança, nem mesmo a criticidade que a gente vê emanar dos jovens nos livros. Não levantou braços, nem defendeu bandeiras com gritos. Pena.
Semana passada teve uma festa. Era dessas flashbacks de subúrbio. Minha mãe ficou me contando dos tempos de baile dela e dessas coisas que plantam brilhinhos nos olhos das mães. Parecia segura e divertia-se me infringindo com seu passado charmoso. Mudou tudo e mudou nada de lá pra cá. Romantismos se perderam. Mas o que é o romantismo? Nos olhos das adolescentes na festa, ainda que esperando um amorzinho transitório, efêmero, ainda piscava romantismo. Um romantismo instantâneo. O que não impede que ele seja prolongado, seja por meia hora, seja por uma vida. Foi numa festa de vinte anos atrás que minha tia engravidou do primeiro e único amor da vida dela. Vive com ele até hoje. E nas milhares de vezes que eles brigam e o marido vai-se embora, retornam talvez por lembrar daquele amor de faz-menino escorados no muro sombrio e voluptuoso. Ela ainda arrepende-se às irmãs, que devia ter conhecido outros homens, e até hoje não sente coragem. Cada um com o romantismo ao seu jeito. Fico pensando qual o meu. Acho que sou meio velha. Mas minha velhice é vanguardista, precursora. Até parece que já vivi muito. E ainda fico nessa de me prender em pensar no futuro. Deve ser por isso que estou escrevendo sobre o passado. Deve ser.