segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Por flores, mudanças e representações

Gelo quente. Não vapor. Não lhe agradava. Já que já perdera o show d’uma velha popstar, senhora veneno, pedra, drogas, outra geração. O quarto estava tão calmo que a pertubava. Podia escutar aquilo que perdera. Esquecera de carregar o tocador. Ainda lembrava de suas raízes. Afinal, era uma Flor. Seu vermelho estava embaçado. Queria um vermelho tarantiano, quiçá almodóvaniano. Buscou o vestido amarelo. Por pura ideologia. Estava ensinando com seus olhares, suas mudanças. Lembrou de tudo que faltava, ou daquilo que poderia lhe fazer falta. Chave do carro, identidade, juízo, batom, blush, seus valores morais, bolsinha com corrente. Completo. Tudo o que necessitava para se prender. Se olhou rápida e longamente no espelho. Possível efeito do Martini. Pisou forte a sandália escartalate. Teceu lábios ardentes, tentou avolumar o decote e arrematou com o entrelaçado de pétalas. Os cachos gritaram ao serem atrelados pela fivela sob a qual figurava a papoula de plástico, adornado pelo arremedo de cristal swarovski Pobre criança. Ainda tinha necessidade de representações.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Queria...


Passou por lá. Não podia. Era necessário romper seus universos paralelos. Sua subjetividade poderia estar enganada. Ou encoberta por algum véu maligno. Parou. Tinha que voltar e tocar naqueles cacos. Sabia que ia se cortar naquele veneno todo. Mesmo assim foi. Fez. As pontas dos dedos feridas jorravam lenta e dolorosamente um sangue escarlate. Chateou-se. Não combinava com o tom que aplicara a pouco nos lábios. Sabia que o batom barato iria lhe decepcionar um dia desses. Esqueceu, e lembrou. A imagem era o que mais doia. Ver tudo ali no chão... Flor quebrara seu próprio vaso num esparramão com o duro e frio destino. Agora estava ali parada, procurando fincar suas raízes em qualquer palmo de terra. Queria a Reforma Agrária de seus pensamentos. Queria o assentamento do seu sentir. Queria. Mas era em vão. Inúltilmente tentou caminhar até a cozinha. Poderia abrir a geladeira e se acolher naquele frio de luz apagada, quase calor. Poderia se hidratar da forma tradicional. Regar-se. Com suco, água, ou alguns chuviscos de esquecimento. Queria. Era tarde demais praquilo. Sentou no sofá e esticou as pernas para pensar melhor. Talvez a circulação, ligada diretamente aos impulsos cerebrais, pudesse levar novos ânimos pelas varizes precoces. Os vasos sanguineos. Seu vaso_princípio rompera-se naquela batida intensa e ela despetalou-se. Bruscamente grupos inteiros de hemácias felizes percorreram suas artérias . Animou-se. Mesmo os vasos que quebram têm concerto. Ficam feios, desajeitados, tecnicamente infelizes. A ideia de trocar ainda não lhe agradava. Se era preciso, seria isso que iria fazer. Levantou e foi se aquecer na obscuridade do seu quarto. [continua]