sábado, 17 de dezembro de 2011

[Amor em tempo de redes sociais] Capítulo 2 - O telefonema





Vibrou.

- Alô, quem é?
- Se eu disser algumas palavras você me reconhece?

Silêncio. Ela sabia quem estava ali, do outro lado da linha, mas...

- É algum tipo de trote? Não conheço esse número.
- Flor, flor... “Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita”.
- Olha aqui...
- Minha linda!

E ela não pôde conter-se. Aquela voz que recitava a fazia sorrir e temer. Lembrou de cabelos emaranhados e do quase atropelamento.

- Já sei quem é. Agora, cara, eu te dei meu telefone, mas não era pra você ficar me incomodando com besteira. Oxi!
- “A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca”.

Mais uma vez, silêncio. Como era possível, ele contorná-la daquela forma, pensou. Citar Drummond assim, na cara dura. Acionável.

- Oi...

Respirou profundo...

- Certo. O que você deseja?
- Tenho que te confessar que teu microblog me toca mais do que teu próprio olhar. E teu olhar me toca, me toca muito. Preciso dele.
- Obrigada. Mas como é possível tocar, nessa virtualidade toda?
- As palavras são sempre palavras, bebê. O meio é só detalhe. Tuas hashtags são pra mim, asas belas e espalhadas. Sei de você, agora. Sei de você.
- Nada nada. Os 140 caracteres que me limitam, nada dizem sobre mim. Mas tem uma coisa. Não sei seu nome.
- Cravo, pra te acolher, minha flor. Meu nome é Cravo.
- Cravo tu tem na cara, abestado. Quero saber o teu nome.
- Nossa, nossa. Assim, você me mata. Bruta como uma tigresa que quer dar o bote. Você quer dar o bote?
- Rapaz, assim você me faz perder a paciência. Liga do nada e ainda me ofende.
- Não se perde o que não se tem, minha linda. Te dei pedaços de fala doce e você tão bem ignora. Se aborrece por uma única palavra, que nada mais é do que a verdade do teu momento/espírito.
- Olha, acho melhor eu desligar. E também acho que você não deve ligar mais.
- Se você quisesse que eu desligasse, já teria feito. Você não quer, eu vejo aqui. Seus olhos estão brilhando na minha lembrança. Ai de mim, que te tenho em vento, só em memória.
- Caralho, mas você é dramático e brega, viu?
- Sou e não nego. Não mudo quando puder, posto que brega é amar pouco e eu amo.
- Ama?
- Sim. Você.
- Risadas múltiplas pra ti. Como me ama? Tá doido? Me viu uma vez só e já fala uma coisa dessas?
- E o amor à primeira vista, tá pôdi? Te amei ali naquela parada de ônibus, e já devia te amar antes, só não sabia.
- Oh My God! É, meu filho, é. Deixe de conversa. Bicho queixudo de uma porra. Ave Maria!
- Linda e linda. “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”.
- Lá vem você com Drummond de novo. Tá certo. Mas me diz o teu nome, rapaz.
- Se não aceita Cravo, pode me chamar de Pedro. Inclusive, eu tinha te dito meu nome e meu CPF, da última vez, não lembra?
- Humm, é verdade. Minha memória me trai de vez em quando. Mas o que você quer?
- Você.
- Eu não sou algo. Logo não posso ser de ninguém além de mim mesma. Sinto.
- Então quero te ver.
- Não sei. Final de semestre tá phoda. Muitos corres, muitos, muitos.
- Deixe disso, minha flor. Drummond já dizia que “perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes”.
- Tô precisando sair mesmo. Mas não sei...

Aquele barulho chiado, que só as operadoras de telefonia móvel podem oferecer aos seus usuários em momentos decisivos, rompeu.

- Aprendi a esperar com as paredes. Se você não quer, não posso fazer nada. Mas se quiser, posso fazer muitas coisas.
- Não sei, não sei.
- Agora se você não sabe, não sou eu quem vai saber por você. Você tem razão. Vou parar de lhe incomodar, embora meu coração se aperte. Adeus.
- Espera!
- Oi?
- Você parece... Sei lá... meio doido. Mas gosto de conversar contigo. Podemos ser amigos e marcar alguma coisa.
- Amigos sim, claro. Não há amor sem amizade. Então me encontra no sábado, às 20h, no Centro Cultural Lagarto do Oceano.
- Tá. Seu persuasivo!
- A gente só faz o que quer, minha Linda flor. Desde já, meus pensamentos são teus. Até.
- Ok. Tchau.
- Cheiro no cangote.

Ela desligou. Naquela noite, sonhou com cabelo emaranhado em suas mãos. Olhos vibrantes lhe davam carinho depois do amor.

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