sábado, 6 de novembro de 2010

PARTE II - Concentrou...


O apartamento era pequeno e convidativo. Reservado, blasé, com baguncinhas normais de homem. Ela sentiu falta do negror que ele imprimia e do colorido dos seus discursos. Embora no carro as amenidades tenham se transformado em discussões férreas, o silêncio postou-se desde que o motor fora desligado. Elevador, corredor, nenhuma pressa. Entraram. Senta. Estava tudo desordenadamente no lugar. Velharias de antiquário brigavam com uns designs pós-moderninhos. Talvez disputando méritos. Quem copiou de quem. Releituras e profecias. Suas idéias foram decapitadas pela voz rouca de um jazz que ela conhecia bem. A voz esvaia-se do notebook na mesinha com toalha de couro. Ela adorava couro. Esses pseudo-intelectuais... Logo, a bebida. Nada forte. Ela estava cansada, lembrou.


Me dá um pouquinho d’água anjo. Vou buscar. E ela necessitava conhecer sua cozinha. Ele virou-se e simulou um susto ao vê-la escorada na geladeira. Toma. Quer chocolate? Eu sabia que você não traria a sobremesa. Por isso comprei. Não era uma cantada fail querida, era sério. Minha hipoglicemia pede maiores doses de açúcar. Me deixaria sucumbir na cozinha de casa? A vermelhidão que aflorava o seu blush não foi pelo chocolate que ele não sugeriu pegar na boca dela. A umidade nas mãos não foi pelo agarro de supetão que ele não deu. A disritmia foi um composto pela bebida que ela não provou. Queria borbulhar. Bebeu a água.


Já que estamos aqui, vou esquentar o de comer. Não, não vou entrar no microondas, segurou para não parecer imbecil. Se é que isso era possível. A pessoa recusa a vodka, esquece a sobremesa, e ainda se chama de marmita <>. Ficou lá contemplando a barba dele que parecia crescer naquela hora. Queria que aqueles fiapinhos furassem logo seus lábios, pescoço. Bebeu mais um gole d’água. E ele lá, falando. Tentava prestar atenção, no entanto aquelas veias salientes no braço peludo faziam caminhos denotativos, aéreos, pulsavam, gritavam, chamavam-na. E tudo isso enquanto ele mexia macarrão na panela.


Ele repetiu mais de duas vezes o nome dela. Denúncia exata da falta de atenção. É, você deve estar cansada mesmo. Não,não, é que sou assim lesada, distraída. Tá com fome? Você não disse que ia comprar a comida? Não conte a ninguém gatinha, não quero ser torturado para que abra um restaurante à milanesa. Ela não conseguiu segurar o sorriso. Tá com um cheiro bom. E realmente ela estava quase dopada naquela áurea feliz. Nem sabia se por sua barriga que estava a roncar clamando por aquele <> ou se por ela própria, suplicando aquela boca. Outro gole d’água.


A água parecia não estar resfriando-a. Estigmatizou-se. Quando deu por si, a mesa posta. Meu filho, você é prendado hein? Já disse pra você não falar meus segredos tão alto princesa. As paredes têm ouvido. O vinho ficou pra depois, o negócio mais prazeroso pra ambos foi sorver aquele líquido negro e borbulhante que adoça as vivências dominicais das famílias felizes. E patrocina as copas mundiais de futebol. E o placar subiu pra ele. Nada de coca light. Era uma mensagem de amor sublime. A forma mais maravilhosa de dizer que ela não estava gorda. Era um <>...


Na sala, o <> que ele aprontara estava matando-a. Mas, não mais do que o roçar dos lábios grossos e macios sincronizados, com as mãos de mesmos adjetivos, que espremiam seu pescoço e ombros, respectivamente, aleatoriamente. E que juntos, aparceirados logo desabrigaram os botões do vestido. Relaxada fora por carícias incestuosas, ditadoras, revolucionárias.


E depois o cigarro, que ela sentiu estúpida vontade de fumar. Preferia o recosto no braço duro, firme, ao travesseiro macio, brando. E refletia. E ele a beijava compulsivamente mesmo no pós. Por que você tem olhos de gata. E ela mordeu o queixo quadrado. E recomeçaram. E podiam terminar a seguir. Mas para quê terminariam? Subverteram a ordem do amor, reproduziram os momentos imagéticos, concretizaram cenas lúcidas desenhadas. Estranharam-se, experimentaram-se, numa brincadeira só deles, venenosa, ácida, doce. E a cama virou mapa, e os braços desterritorializaram-se. E a música havia parado, mas não dentro deles. E era extra, e era festa, por que era sexta. Por um momento ela temeu que pudesse acabar. Lembrou que isso era fato e esqueceu. Continuou.

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