domingo, 31 de outubro de 2010

As palavras jorram...


Às vezes me pergunto como tanta dor pode caber num peito só. Feito roupas de um exército inteiro pra serem lavadas numa única bacia. Duma vez. É domingo após domingo, quando a correria semanal termina e já está prestes a começar. E vem o ócio, o refletir. Entristecer. É dor que não se satisfaz só em chover. É dor que fica palpitando sem porquês, demente, injusta, de loucuras. Perdas, vitórias. Estúpida. Eu e a dor. E eu podia abater o sofrer, antes que ele me abata primeiro. E o suicídio do meu eu se faz ideia. Já matei meu eu físico. Vou matar meu eu–lírico. Terrorismo individual, emocional, parada brusca. Roendo a unha. Rata dos meus próprios tecidos corrompidos. Perdi.

Vida tosca, de coisas-fatos sem explicar. Janelas do amanhã, desesperança. No alcançado, logo plana outro pesar. Dor. Imunda. Cheira a perfume da Avon. Podre como o capitalismo. A mão dói, a cabeça dói. O peito volta a doer. Fingindo ser um romance novelle vague, quando não passa de um trash movie dos anos oitenta. Perder anéis. Ser picada por abelhas. Emocionantemente brusco. Insólito. Pensar com o órgão certo, essa é a resposta pro sofrer menos? Mas as ordens são dadas em outras instâncias. Visceralmente. Baixos instintos. Humanos. Doces palavras sujas que teimam em pular de mim, me possuir, ressuscitando meu eu, meu devir, porviniano. Extremo. Recrutadamente num militarismo patético.

Escrevo na construção entediante de um transe epilético doído puro. Mas como droga, teima em não aliviar. Avalia a dor, que cristaliza, consome. Vai explodir. Sou fraca demais para descrevê-la. Esses devaneios que o teclado não alcança, num imensurismo fatídico, dão náuseas. Livrar-me-hei delas no digitar. Não saem, são noda de caju. Amputar as dores com facas de xingamentos é inútil. Feito estrelas, sentimentozinhos, se rematerializam em abstrações que são. E mesmo nesse estado insano, de tocar teclas, com dedos desesperados, o silêncio, só cortado pelo forró brega antigo ao longe, as extremidades do sofrimento não são tolhidas, moldadas, podadas. Frutos. Desconhecer. Ludicamente, a busca pela ritmia textual equivalente a perfeição sinfônica é o que há pra hoje. Linguagem equivalente ao que os ouvidos captam ao fundo. Batidas feias. Nem os ritos pontuais seriam suficientes. E as palavras jorram. Sinto pena delas. Reflexo. Purificação.

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