domingo, 17 de outubro de 2010

Pintou pra morder...


Pintou pra morder. Vermelho, fogo, vampiresco, almódovariano. Afunilou os olhos num delineamento espesso. Gueixou-se. Plantou flores no cabelo e nas pontas das orelhas. Escarlates também. Fitou-se num queixume hedonista. Virginiana, à espreita de tudo, de si. Achou coerência no respingar múltiplo da fragrância verdinha. Aplicou um último repasse no reflexo. Desligou o teledrama que ressoava falso-piegas na tela tediosa abandonada há duas horas. Rádio-novela. Vez ou outra mirava as cenas de um teatro hiperbólico e banal. Bocejava. Fugiu calmamente, sem esquecer-se da bolsa. Rubra. E foi-se sem rumo. Tinha encontro marcado. Há muito tempo.

Desmarcara com as amigas, remarcara com o caminho. Escolheu o lugar. Não sabia para onde ir. Escolheu o que sabia. Não sabia o lugar. Revirou-se em pensamentos. Tinha tempo. Quarenta minutos até que o ônibus chegasse ao ponto final. Decidira. Juntou seus encargos emocionais e saltou na parada devida. A brisa friinha da noite pintou na sua boca um sorriso. O mendigo pidão borrou logo em seguida. Foi feito chuva que dissolve. Feito eno na azia. Seguiu. O primeiro Martini lavou a tristeza por outrem. Dançar iria, até borbulhar. Esperava ser colhida.
A noite não era acolhedora para as moças coragem sozinhas. Escolheu. Olhares trocados, gestos sutis reveladores de boca e mãos, esquinas. O banheiro era a jogada final. Iria retocar suas pinturas em cores ardentes. Voltou pra perto do palquinho. Xeque -mate. Engenheiro, surfista nas horas vagas, ou vice-versa, papo de ácido. Novamente o banheiro lhe ajudaria. Sabia que não podia abraçar o excesso. Pena. Pegou um táxi. Espremeu-se e pediu para descer. O calçadão havia lhe assoviado, pedinte. Lá estava ele. Embora, ele próprio não soubesse. Ela tinha que pensar em alguma forma de puxar conversa. Sentou no banco duro de pedra. Ele parou encarando-a. Sua beleza é hibrida e completa. Soltou. Senta aqui e me conta o porquê. Ela completou rápida. E foram oitenta minutos ali, cento e trinta no barzinho. A carona até em casa, o convite pra entrar.

Ele era especial, não era pressas coisas. Não assim. Ele pediu o telefone. O aparelho metálico-amarelo gritou. É, ela queria, o número estava certo. Tá, ela o deixou entrar. O moço bonito tomou a cozinha pra si. Preparou café e ficaram depois ali, em brincadeiras árabes, de leituras de borras. Você precisa ir. Ela expulsou sutilmente. Você quer que eu precise? Ele pressionou de forma tão amável, semeadora de dúvidas, acolhida. Um último beijo. Era só um desconhecido que já havia lhe passado informações semi-pessoais. Deixou-o no carro. Selou.
No outro dia o cinema na casa dele. Transportador. Beijos e mensagens nos dias seguintes obrigaram-na a pensar no conteúdo do sentimento. Não queria cultivar. Embora sementes plantadas, podia podar raízes. Limites. Falaria tudo pra ele. Da sua confusão do inquerer. Do querer que poderia não ter futuros. Estava envolvida demais pra reflexionar. Estantes, instantes, vertentes. Foi ler. Ligou pra ele. Esperou seculares vinte minutos. Era o momento. Chicoteou sua puritanisse breguinha. Antes tivesse sido antes. Depois repetiu.

Nenhum comentário: